segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Relatos de fim de ciclo - Parte I : O fim das vacas gordas

Lembram-se deste Portugal, aquele dos anos 80 ?

Eu lembro.

Tenho 35 anos, sou de Gaia e lembro-me perfeitamente. Os meus colegas chamavam-me de "rico", porquê ? Os meus pais tinham 2 carros, até chegaram a ter três : Um luxuosíssimo R5, uma Fiat Mirafiori e uma Dyane, carro esse que era uma espécie de mascote da família, foi o primeiro da minha mãe, já ela dava aulas, e teve de ser vendida por falta de espaço; tínhamos uma casa, o meu avô trabalhava no Canadá, os meus pais frequentaram o ensino superior e eu estava a ingressar no ensino público depois de ter feito o primário num colégio salesiano.

Visto à distância de 25 anos, parece ridícula essa definição de "rico", qualquer família tem dois carros, bem esse que se tornou "barato" quando comparado no tempo, já muitos frequentam o ensino superior, toda a gente tem acesso a bens particularmente escassos nesse tempo, a tecnologia banalizou-se, compram-se acessórios que custam o preço de um ou mais salários com relativa frequência e tudo graças ao facilitado crédito que pariu os tempos modernos em que vivemos.

Mas não, não é ridículo. A grande maioria dos meus colegas, findo o 6º ano já trabalhavam em fábricas ou nas obras, com idades a rondar os 14 anos; os pais tinham motorizadas (quando tinham), o supermercado era um luxo, e o consumismo era uma coisa com que se sonhava. Ter um computador, um aparelho de música, uma bicicleta era privilégio de uma fatia relativamente escassa da sociedade, quando levava alguns colegas para minha casa para jogar computador (tinha um Spectrum +2) a visão daquela máquina estranha era algo de alienígena para alguns, algo que sabiam que nunca iriam ter.

Lembro-me que era algo que me chocava profundamente, nunca vi justiça no facto de ter mais que muitos outros, trazia-me um desconforto grande essa situação, que me levava a omitir alguns brinquedos que tive.

Mais me choco agora, tantos anos depois, quando troco impressões com amigos sobre esses tempos e penso que desperdicei os sonhos de muitos, um deles foi a música, estudei piano 5 anos, o meu pai ofereceu-me um órgão, custou aquilo 60 contos em moeda antiga, há 25 anos; serviu de prateleira no meu quarto até se desconchavar todo...

Aprendi a dar valor ao que tive quando senti a dura realidade da vida, aprendi também a valorizar os meus pais por me quererem dar o produto dos seus sonhos, uma educação completa e uma infância cheia; mais valor dou agora quando olho para o futuro e começo a compreender que este oásis de crédito que tivemos a partir do fim dos anos 80 não passou de uma bolha que nos vai rebentar na cara e que nos vai tirar à bruta tudo o que demos por garantido nos últimos anos, roubando à minha geração a possibilidade de retribuir nos nossos filhos, aquilo que os nossos pais tanto sacrificaram para nos dar.

Hoje o risco de falência de Portugal chegou a atingir valores acima de 74%, a contagem fechou em cerca de 70%; se nos quisermos libertar das amarras da Troika e recorrer ao mercado externo, pagamos hoje mais de 15% pela nossa dívida a 10 anos e mais de 20% pela nossa dívida a 5 anos.

O mundo aposta numa de duas coisas, ou que entramos em incumprimento e deixamos de pagar; ou que não somos capazes de sobreviver sem a ajuda do FMI e que em Setembro de 2013 (quando acaba o plano de resgate da Troika) teremos um novo resgate. Qualquer um destes cenários vai-nos mergulhar numa viagem no tempo, aos nossos anos 80, os anos da motorizada, dos carros velhos e do contar tostões !

Se saímos do Euro, a nova moeda irá desvalorizar de forma abrupta (talvez mais de 30% numa fase inicial), os nossos salários irão manter-se, mas agora na nova moeda; por outro lado e como importamos 70% dos produtos que consumimos, continuaremos a pagar os produtos em Euros lá fora, mas desta feita com uma moeda a valer menos 30%. Com os mesmos salários façam as contas, se hoje o dinheiro não chega para poupar, amanhã não chegará de todo para viver, e cortes de 30% no orçamento de uma família são muito dolorosos ! Acreditem que esta possibilidade é muito real !

O outro cenário é a manutenção do Euro; como falei acima, um segundo resgate para o ano que vem é inevitável. Com o incumprimento ou "default" da Grécia, os investidores vão perder muito dinheiro, cerca de 50% do total emprestado à Grécia que ronda os 200.000 M€, uma enormidade; metade deste dinheiro é devido a entidades externas ao país, ou seja, investidores do mundo inteiro vão perder cerca de 50.000 M€, na sua maioria sob a forma de fundos e outros produtos financeiros. Com este colapso, o dinheiro ficará inevitavelmente mais caro, é por isso que as agências de rating estão a exigir juros cada vez mais altos para comprar dívida, pois o risco aumentou de forma dramática.

Portugal tem, ao contrário da Grécia, alguma indústria que exporta, isto dá-nos uma luz ao fundo do túnel, no entanto produzimos muito menos que os nossos parceiros do 1º mundo e com o Euro os nossos salários tornaram-se caros para o que produzimos, e antes de me insultarem lembrem-se dos anos 80 e do que ganhávamos !!!! Com isto perdemos competitividade, como a ganhamos de volta ? Não é nada fácil...

No tempo dos escudos, se queríamos vender mais imprimia-mos moeda, ela perdia valor, os nossos bens tornavam-se mais baratos e aumentavamos as exportações melhorando a balança comercial.

Outra táctica era aumentar as taxas alfandegárias (lembram-se das fronteiras ?), assim, os consumidores compravam mais internamente pois os produtos externos inflacionados pelas altas taxas encareciam muito; agora não há nada disso, a moeda é comum e as fronteiras caíram ! Como fazer ?

Há uma solução, baixar salários ! Já perdemos cerca de 10-15% com os cortes dos subsídios de Natal e férias (para o ano são os privados, vai uma aposta ?) mas não chega, ouviram bem, NÃO CHEGA !!!!

Quem o diz é Paul Krugman, o professor de Princeton (a tal universidade que é a melhor do mundo) que até é prémio Nobel da economia e tudo... Krugman diz que os salários, para Portugal voltar a ser competitivo deveriam descer mais 20%, leram bem, 20% !!!! Além disso defende que a inflacção deveria andar pelos 4%,isto significa que para invertermos o ciclo, precisamos de ganhar menos 30 a 35% e pagar as coisas mais caras 4% !!!!!!

Lembram-se da motorizada ? Mais vale começarmos a perder a vergonha e ir treinando como se anda naquilo...

Ou então, fazemos como os nossos avós e emigramos !

CONTINUA...

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